sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

O outro lado de Coimbra

Os relógios marcam 21H00. É momento de vestir os coletes azuis. Um silêncio invade a sala. Sentimento de responsabilidade. A equipa da Associação Integrar sai do centro em direcção à carrinha, de onde são retirados cobertores e uma marmita com café quente. Com tudo pronto, parte rumo às Químicas. Um senhor de meia-idade recebe-os na sua humilde “casa”, um beco resguardado por uma grade alta, revestida por panos, outrora brancos. Não dá para lhe ver o rosto, está escuro, o cheiro é nauseabundo, mas a sua gentileza faz esquecer o cenário. O homem sofre, sofre na solidão, contando, apenas, com o auxílio daqueles que não se conformam com o estado das coisas. Os seus intestinos e a sua perna, doentes, não lhe dão descanso, mas não se queixa. Recusa beber o que se lhe oferece. Teme ficar pior. Após dois dedos de conversa, a despedida calorosa, difícil. Outras pessoas aguardam o bendito café, com enorme expectativa.
Quatro homens, que se encontram no “quentinho” dos seus cobertores, em camas improvisadas, são cumprimentados. O local é amplo, iluminado, o ambiente é de conversa. A bebida é servida. Pedem para repetir. Enchem-se as suas garrafas de água com o “líquido divino”. Parece que lhes reconforta a alma. São amáveis, receptivos à ajuda. Partilham com a equipa experiências vividas, derrotas e sonhos. Não perdem a vontade de viver. Acreditam que um dia tudo mudará, que o novo ano lhes trará sorte. As suas palavras, tão mais doces do que as de muitos doutores desse país fora. Toda a “tertúlia” se desenrola ao som de um frágil rádio portátil, que alegra um pouco a vida da rua. Um denso orvalho cai em cima das cabeças de cada um. De novo a despedida e a promessa de voltar.
Caminhando pela Rua da Sofia, eis um sem-abrigo a dormir à entrada de um Banco. Está ferrado no sono, não se apercebe da presença das assistentes, do café que decerto lhe aqueceria o espírito. Não possui as habituais bagagens, provavelmente perdeu-as. Deixam-no, sem o acordar. Ao longo do percurso dá-se conta de que os utentes não se encontram nos locais do costume. A vaga de frio não convida a ser presenteado pela humidade que se faz sentir. As “damas da noite” estarão em serviço? Mais à frente um grupo misto de toxicodependentes aborda as “heroínas” de colete azul. Pedem café e bolos. Pouca sorte, só há café. Bebem e repetem. Há neles uma suave simpatia, mas parecem excitados…Será da falta ou do excesso? Agradecem. A noite continua. No entanto, mais ninguém espera por alguma atenção, algum conforto. O frio não ajuda…ou há algo que não se sabe? Regressão ao centro com a marmita meio cheia. É tempo de despir os coletes, aqueles acessórios que fazem a diferença no meio da exclusão e da miséria que habita frente aos olhos de todos.
Coimbra é o único distrito do país onde existe um trabalho em rede entre várias instituições de solidariedade, no apoio aos sem abrigo. O PISACC (Projecto de Intervenção com os Sem Abrigo no Concelho de Coimbra) engloba associações como a ANAJOVEM, a CARITAS, a AMI Porta Amiga, as cozinhas económicas rainha Santa Isabel, a Câmara Municipal e a Segurança Social.
Paulo Pereira, assistente social e coordenador da AMI Porta Amiga, explica que “as equipas de rua, de intervenção directa, são quatro, e que dividem entre si os sete dias da semana. Fazem os giros nocturnos com o objectivo de sinalizar novos casos sem abrigo e motivar os mesmos para a adesão a um programa de mudança”. Destacam-se os gestores de caso que são, segundo Sara Antunes, assistente social na Integrar “o elemento da equipa que gere o caso de um sem abrigo identificado”. Para Carla Bento, estagiária da associação, é gratificante “sentir que se faz algo pelo outro”.

Carine Anacleto
3º Comunicação Social

Nenhum comentário:

 

Classe Media © 2007 Álvaro Vieira