sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Baixa temporada

A música no rádio corta o silêncio no fim de mais um dia de trabalho em que pouco houve para fazer. Celso Baía, dono de uma loja onde se vende de tudo, arruma umas tendas de campismo, enquanto lamenta a concorrência da Decathlon. “Comprei tendas para vender a trinta e poucos euros, nunca tive coisas tão baratas e chego lá e vejo tendas de montagem rápida a dezoito e a vinte euros”, diz, murmurando: “Não há hipótese, não há hipótese”.
A baixa que em tempos já foi o grande centro de comércio em Coimbra está “morta”, diz Celso Baía, que ainda se lembra de andar na rua da Sofia e de não conseguir passar porque “eram centenas e centenas de pessoas”. A situação é bem diferente daquela que conheceu quando veio trabalhar para a loja que o pai comprou “três semanas antes do 25 de Abril”. As pessoas já não param, as ruas já não estão a abarrotar e a baixa tornou-se num ponto de passagem. Olham para as montras mas as lojas continuam desertas.
“Nos shoppings está quentinho, há estacionamento e estão abertos ao domingo”, explica o comerciante, cada vez mais desiludido com o negócio. 2007 foi o ano "pior de sempre”, afirma, acrescentando: “Se um chinês vier para me comprar a loja, vendo-a ao desbarato”.

Um comércio à antiga

“Nós aqui ainda olhamos para as pessoas não como clientes, mas como amigos", diz Arménio Pradas, dono da Sofimodas, profissão que reparte com o cargo de presidente do sector comercial da Associação Comercial e Industrial de Coimbra (ACIC). Defensor da viabilidade do comércio tradicional, Arménio Pradas gaba-se, sorrindo, de ter clientes que passam pela sua loja apenas para conversar.”Eu nem lhe pergunto se ele quer comprar alguma coisa ou não”, afirma, enquanto vai cumprimentando quem entra na loja. É essa a maior diferença entre os shoppings e o comércio tradicional, considera. Defende mais apoio estatal, porque “por mil postos de trabalho precários que se criam num centro comercial são dez ou quinze mil trabalhadores do comércio tradicional que vão embora”.
Com a abertura de mais centros comerciais, a quota de mercado do comércio tradicional, que agora é de 12%, daqui a quatro anos vai para os 6%, aventa, indignado, defendendo que a única solução para garantir a sobrevivência do comércio na baixa é a criação de uma carta de comércio, um documento onde se impõem regras quanto à diversificação de estabelecimentos comerciais.”Numa rua onde há por exemplo cinquenta sapatarias não pode haver mais nenhuma, se ficar vago um espaço deve ser ocupado por outro ramo comercial”, exemplifica o membro da ACIC.

Aguentando o barco

Quem olha para Manuel Magalhães vê as marcas de mais de quarenta anos de trabalho. O rosto sorridente disfarça a mágoa pela situação da baixa. Manuel Magalhães recorda o dia em que herdou a sapataria Reis dos padrinhos, na altura em que os sapatos ainda eram comprados para durar uma vida. "Não se vende nem um terço do que se vendia” afirma, atarefado, enquanto ajuda um fornecedor a descarregar mais uma remessa de sapatos que devem ficar nas prateleiras como tantos outros. O negócio, que vai mantendo com a ajuda da filha, já não é o que era porque “as grandes superfícies vieram absorver tudo e depois vieram os chineses”.
O futuro é incerto para este comerciante, não sabe até quando poderá ter a loja aberta. Percorrendo a loja com o olhar, desabafa: “Vamos aguentando o barco”.

João Pedro Sismeiro
3º Comunicação Social

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