sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Correio de Erasmus
O que vestir em Adapazari?

crónica
Acordo. Meio ensonada, dirijo-me à casa-de-banho. Bem perto, soam os altifalantes das mesquitas. Do alto dos minaretes, cânticos em árabe lembram os muçulmanos de que já é hora da oração. Frente ao espelho, eu pergunto-me: "O que vestir em Adapazari?”
Situada na região de Sakarya, a duas horas de Istambul, a vida desta cidade turca mudou em 1999, quando um sismo, de intensidade 7,4, na escala de Ritcher, matou cerca de 25 mil pessoas. Morreu também uma cidade boémia e com uma desenvolvida indústria de seda e tabaco. Hoje, nem os amarelos, lilases e verdes das casas já reconstruídas sobressaem no meio dos destroços presentes por toda a cidade. Os mais ricos fugiram e fixaram-se noutras cidades. Ficaram os pobres, sem força económica para (re)erguer Adapazari.
Óculos-de-sol, saias - mesmo que cobram o joelho - ou ombros descobertos são suficientes para atrair um olhar zangado. Ou até mesmo uma reprimenda, num turco bem furioso e no meio da rua, sobre a falta de decoro. A maioria das mulheres usa lenço, também as adolescentes e algumas crianças. Outras usam o negro completo, tendo só os olhos ou a cara descoberta.
Muitos jovens e adolescentes de Adapazari não completam os estudos. No mercado e nas ruas, é comum vê-los a trabalhar, já com as mãos calejadas.
A Universidade de Adapazari tem cerca de 30 mil estudantes, oriundos de toda a Turquia. Ainda assim, a universidade não consegue mudar os hábitos da cidade. Não há vida nocturna, a venda de álcool é muito restrita, até porque os preços são elevados. Não há promoção de agenda cultural na cidade.
Os estudantes queixam-se, mas não fazem por mudar a situação. Grande parte, não tem qualquer actividade extra-curricular. Os que já tiveram alguma experiência no exterior (através do Programa Erasmus) esperam vir a trabalhar fora do país. “A Turquia é boa, mas para os turistas”, justificam-se.
Muitas das raparigas tiram o curso, mas a pensar num futuro que se explica em poucas palavras: casamento e ficar em casa a cuidar da família. As estatísticas comprovam-no, tem havido um decréscimo do número de mulheres que trabalha fora de casa.
O fez (lenço) é proibido nas escolas e edifícios governamentais. Na universidade, há alunas que o usam. Com uma peruca, por cima…
Nas zonas rurais ou de população mais conservadora (como é o caso de Adapazari), o lenço imposto pela religião funciona como um cartão de visita, que separa as raparigas “honradas” das restantes.
Isto não impede que a imagem do homem que transformou a Turquia num estado laico, separando a religião da política, esteja em todo o lado. Mustafa Kemal, mais conhecido como Ataturk (pai dos turcos) surge em estátuas por toda a Turquia e as suas frases estão bem à vista nos mais diversos edifícios. Desde lojas a edifícios de escritórios, passando por casas de particulares, todos têm uma fotografia ou uma imagem dele. Na universidade, em todos os gabinetes e salas de aulas, ele lá está.
O lixo é despejado nas ruas. São raros, aliás, os caixotes de lixo. O trânsito é caótico, os sinais para peões não se respeitam e as passadeiras são meramente decorativas. Nas estradas, os Ferrari e as mais incríveis sucatas quase passam por cima uns aos outros.
Os cheiros misturam-se em Adapazari, cidade de 200 mil habitantes. À poluição, junta-se o odor do Kebab ou das frutas e vegetais frescos. E, como diz um ditado turco, com o frio, chegam as castanhas. Lá longe, já se vê neve nas montanhas. É por tudo isto que eu me pergunto: “O que vestir em Adapazari?”. Sofia Macedo

2 comentários:

Vasco disse...

Muito bom escreveres sobre a tua vida turca.. É uma forma de nos contares como correm aí as coisas e de deixares o professor Álvaro contente.

Adapazari é um nome engraçado mas não mais do que Cumbria, a cidade que também me proporcionou tudo o que vives neste momento.

Aproveita muito.. Bjocas

Phil disse...

O ambiente foi captado de uma forma perfeitamente visível... um óptimo trabalho místico e realista em todos os sentidos. Meus parabéns.

 

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