reportagem
O dia começa bem cedo para as funcionárias da cantina da Escola Superior de Educação de Coimbra. Muito antes do início das aulas, às 8h30, já estão concentradas no pequeno-almoço. “Poucos sabem que servimos esta refeição. Mesmo assim, temos que cá estar”. É assim que a dona Ana, chefe da cozinha, encara este momento de silêncio. Dois pães com manteiga e uma chávena de café com leite. É esta a ementa diária daqueles que preferem tomar a primeira refeição do dia na cantina. Num canto da sala, sentada numa mesa para quatro, está a Filipa, aluna de Ensino Básico. “Não costumo tomar o pequeno-almoço, mas hoje não vou almoçar. Além disso, só pagamos 15 cêntimos!”
Na cantina contam-se anedotas picantes e ouvem-se risos. Às 9h30, acaba-se de servir o último pequeno-almoço. A partir de agora, trabalha-se para a refeição seguinte.
De súbito, surgido do nada, as máquinas começam a rosnar. Os exaustores entram numa aceleração frenética, enquanto sugam os cheiros que teimam em entupir a cantina. Quase em sincronia e de forma mecanizada, as cozinheiras começam a movimentar-se, na coreografia de todos os dias. “Quase que faço isto de olhos fechados”, diz a dona Irene, orgulhosa. Apesar de estar aqui desde manhã, será a dona Irene a servir o jantar aos poucos alunos que sobrevivem a um dia interminável de aulas.
Aproxima-se o meio-dia, a hora de ponta, que se prolongará até às duas da tarde. Antes de se servir a primeira refeição, é tirada sempre uma amostra, que é posteriormente enviada para laboratório. Embora haja aqui oito empregadas, não há mãos a medir: são quase 800 almoços servidos por dia.
Abre-se a porta de entrada e, num piscar de olhos, a cantina é inundada por dezenas de alunos, alguns com mais apetite do que outros, atraídos pela promessa de uma refeição agradável. Aqueles que já compraram senha, que pode ser adquirida antecipadamente até às 11h30, têm direito ao prato de peixe ou carne que constar na ementa. Os restantes alunos terão que contentar-se com uma refeição alternativa, composta normalmente por rissóis e arroz, caso a refeição principal já tenha acabado. “No meu ano de caloiro não era assim! No meu tempo era só chegar e estava-se já servido!”, comenta João Oliveira, finalista do curso de Comunicação Social.
A adaptação do processo de Bolonha faz-se espelhar até na cantina. Como só se pode dar três faltas por ano, os alunos vêem-se obrigados a vir às aulas e, consequentemente, a almoçar cá. “Nem o facto de haver um centro comercial aqui ao lado melhora isto. Parece que a malta jovem já não gosta de comer lixo”, comenta Sérgio, enquanto espera na longa fila de mais de cem alunos, quase todos caloiros. A cantina está aberta a todos, como comprova João Ventura, coordenador do CEMEIA e cliente habitual: "Gosto de comer cá, porque há sempre a possibilidade de escolher entre carne e peixe. O único problema é a demora”, lamenta.
Pouco a pouco, como uma torneira a ser fechada, os alunos vão diminuindo, até ao momento em que tudo pára. O silêncio das 14h30 chega a ser perturbante para quem presenciou a agitação das últimas duas horas.
Finalmente, é hora das cozinheiras comerem também. Sentam-se na mesa do costume. Cada uma passa com o seu tabuleiro numa irónica inversão de papéis. Para a maior parte destas mulheres o dia de trabalho está prestes a terminar. Quem ainda não pode despir a farda azul e branca é a dona Irene, que ainda tem várias horas de trabalho pela frente. Ainda lhe resta servir o jantar, das 19 às 20h30. “Ganha-se pouco, mas é melhor do que nada”, diz esta funcionária natural de Coimbra que, para além de trabalhar na cantina, vende peixe no Mercado Municipal.
A última refeição do dia tem a mesma serenidade da primeira. Resume-se a alguns professores, 15 a 20 alunos e um ou outro elemento da tuna da escola que, por vezes, tenta animar o duplo silêncio do espaço e da noite com o bater de uma pandeireta ou com o toque de um acordeão.
Por estas paredes, passam quase mil pessoas por dia, todas com o objectivo primário do ser humano: alimentar-se.
Fumado o último cigarro da noite e já sem a farda de cozinheira, a dona Irene prepara-se para apanhar o autocarro. “Pego o 34. Deixa-me mesmo à porta de casa”, despede-se. Poucos minutos depois das 21 horas, já não se avista a dona Irene. Como toda a gente, ela tem uma vida para além da escola. Mas amanhã terá mais mil bocas esfomeadas a invadir-lhe a cantina. Grupo 2
O dia começa bem cedo para as funcionárias da cantina da Escola Superior de Educação de Coimbra. Muito antes do início das aulas, às 8h30, já estão concentradas no pequeno-almoço. “Poucos sabem que servimos esta refeição. Mesmo assim, temos que cá estar”. É assim que a dona Ana, chefe da cozinha, encara este momento de silêncio. Dois pães com manteiga e uma chávena de café com leite. É esta a ementa diária daqueles que preferem tomar a primeira refeição do dia na cantina. Num canto da sala, sentada numa mesa para quatro, está a Filipa, aluna de Ensino Básico. “Não costumo tomar o pequeno-almoço, mas hoje não vou almoçar. Além disso, só pagamos 15 cêntimos!”
Na cantina contam-se anedotas picantes e ouvem-se risos. Às 9h30, acaba-se de servir o último pequeno-almoço. A partir de agora, trabalha-se para a refeição seguinte.
De súbito, surgido do nada, as máquinas começam a rosnar. Os exaustores entram numa aceleração frenética, enquanto sugam os cheiros que teimam em entupir a cantina. Quase em sincronia e de forma mecanizada, as cozinheiras começam a movimentar-se, na coreografia de todos os dias. “Quase que faço isto de olhos fechados”, diz a dona Irene, orgulhosa. Apesar de estar aqui desde manhã, será a dona Irene a servir o jantar aos poucos alunos que sobrevivem a um dia interminável de aulas.
Aproxima-se o meio-dia, a hora de ponta, que se prolongará até às duas da tarde. Antes de se servir a primeira refeição, é tirada sempre uma amostra, que é posteriormente enviada para laboratório. Embora haja aqui oito empregadas, não há mãos a medir: são quase 800 almoços servidos por dia.
Abre-se a porta de entrada e, num piscar de olhos, a cantina é inundada por dezenas de alunos, alguns com mais apetite do que outros, atraídos pela promessa de uma refeição agradável. Aqueles que já compraram senha, que pode ser adquirida antecipadamente até às 11h30, têm direito ao prato de peixe ou carne que constar na ementa. Os restantes alunos terão que contentar-se com uma refeição alternativa, composta normalmente por rissóis e arroz, caso a refeição principal já tenha acabado. “No meu ano de caloiro não era assim! No meu tempo era só chegar e estava-se já servido!”, comenta João Oliveira, finalista do curso de Comunicação Social.
A adaptação do processo de Bolonha faz-se espelhar até na cantina. Como só se pode dar três faltas por ano, os alunos vêem-se obrigados a vir às aulas e, consequentemente, a almoçar cá. “Nem o facto de haver um centro comercial aqui ao lado melhora isto. Parece que a malta jovem já não gosta de comer lixo”, comenta Sérgio, enquanto espera na longa fila de mais de cem alunos, quase todos caloiros. A cantina está aberta a todos, como comprova João Ventura, coordenador do CEMEIA e cliente habitual: "Gosto de comer cá, porque há sempre a possibilidade de escolher entre carne e peixe. O único problema é a demora”, lamenta.
Pouco a pouco, como uma torneira a ser fechada, os alunos vão diminuindo, até ao momento em que tudo pára. O silêncio das 14h30 chega a ser perturbante para quem presenciou a agitação das últimas duas horas.
Finalmente, é hora das cozinheiras comerem também. Sentam-se na mesa do costume. Cada uma passa com o seu tabuleiro numa irónica inversão de papéis. Para a maior parte destas mulheres o dia de trabalho está prestes a terminar. Quem ainda não pode despir a farda azul e branca é a dona Irene, que ainda tem várias horas de trabalho pela frente. Ainda lhe resta servir o jantar, das 19 às 20h30. “Ganha-se pouco, mas é melhor do que nada”, diz esta funcionária natural de Coimbra que, para além de trabalhar na cantina, vende peixe no Mercado Municipal.
A última refeição do dia tem a mesma serenidade da primeira. Resume-se a alguns professores, 15 a 20 alunos e um ou outro elemento da tuna da escola que, por vezes, tenta animar o duplo silêncio do espaço e da noite com o bater de uma pandeireta ou com o toque de um acordeão.
Por estas paredes, passam quase mil pessoas por dia, todas com o objectivo primário do ser humano: alimentar-se.
Fumado o último cigarro da noite e já sem a farda de cozinheira, a dona Irene prepara-se para apanhar o autocarro. “Pego o 34. Deixa-me mesmo à porta de casa”, despede-se. Poucos minutos depois das 21 horas, já não se avista a dona Irene. Como toda a gente, ela tem uma vida para além da escola. Mas amanhã terá mais mil bocas esfomeadas a invadir-lhe a cantina. Grupo 2
Um comentário:
Absolutamente fenomenal!
Um texto virado para aquela que se torna a filosofia mais rara da vida!O saber escrever...
Porquê sermos tão objectivos, se podemos abrir asas à poesia das palavras!
Os meus parabêns ao grupo!Fantástico!
Postar um comentário