quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

O último porto de abrigo

O dia no lar começa bem cedo, com os pequenos-almoços a serem servidos na cama ou no refeitório, consoante a mobilidade das pessoas. Depois de “feita a higiene” a todos os utentes, alguns ficam pelo quarto, outros pelos espaços de convívio e outros aproveitam para passear.
É o caso de Manuel Maia, utente do lar da Santa Casa da Misericórdia de Vagos, que aproveita para dar o seu passeio sempre que pode. “O meu estado de saúde piorou e comecei a precisar de cuidados de saúde que sozinho não podia ter e que os meus filhos não me podiam dar”, explica.
Manuel Maia vive num lar completamente remodelado, onde o cheiro a novo se confunde com o odor característico da idade. Onde todos são como uma família, se ajudam uns aos outros e onde a fome “não bate à porta”. Diz ser muito bem tratado por todas as pessoas no lar e é com grande entusiasmo que recorda que, quando aí entrou, estava numa cadeira de rodas e hoje tem forças para andar pelo seu próprio pé. No meio do ruído da sala de convívio, comenta satisfeito: “Recebo visitas apenas de dois dos meus cinco filhos, mas aparecem cá duas a três vezes por semana”.
“Gosto muito de estar no lar porque não me sinto tão sozinho”, diz Manuel´Maia. “As condições da minha casa eram muito más e cheguei mesmo a passar fome”, afirma, com o olhar carregado de tristeza. A precariedade das habitações, o baixo rendimento, o abandono e o isolamento social são os principais problemas que afectam a vida dos idosos, mas que podem ser amenizados se estiverem num lar onde possam receber apoio físico e psicológico. Este idoso encontrou no lar muitos amigos, a sua nova casa está sempre cheia de luz e companhia nunca lhe falta.
Lígia Almeida, psicóloga no lar da Santa Casa da Misericórdia de Vagos e companheira de muitas conversas com Manuel Maia, comenta que nem todos os casos são iguais e que alguns idosos só recebem visitas “em épocas festivas e alguns quase nunca”. Os funcionários do lar tornam-se uma segunda família para os idosos que recebem deles o carinho negado pelos parentes. Segundo a psicóloga, as justificações para deixar os idosos no lar prendem-se geralmente com a necessidade de cuidados que o apoio domiciliário e a família não conseguem dar e também com a viuvez.
Lurdes Ferreira vive sozinha há cerca de 15 anos na sua casa a 1 km do lar e é no pequeno jardim em frente àquela instituição que procura companhia para algumas tardes. Tem filhos que não estão presentes e que raramente a vão visitar. É no banco do jardim, e com as lágrimas a caírem-lhe, que confessa sentir-se “muito sozinha”, dizendo já não ter capacidades para “cuidar sequer da sua higiene e da sua casa”. O lar é para esta idosa mais um motivo de inquietação, porque não consegue encontrar vagas. “Tenho procurado desesperadamente um lar aqui na região, mas não há vagas”, explica. O problema não é económico, porque as mensalidades adaptam-se ao rendimento de cada um. O que a entristece é “ter de esperar que alguém morra para poder ir para o lar”.
Este é um problema grave em Portugal. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), o número de idosos em Portugal é superior ao número de jovens, mas faltam estabelecimentos para a terceira idade e, em alguns dos que existem, funcionam em condições deficientes.
Apenas 1 km separa fisicamente Manuel e Lurdes, mas a distância que os separa, no que respeita às condições de vida, é (ainda) intransponível. Pelo menos, até Lurdes encontrar também o seu porto de abrigo.

Joana Capucho
3º Comunicação Social

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