quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Amor gratuito

Os últimos raios de sol apontam para os singelos desenhos pendurados na parede. A sala de estar enche-se de luz e ilumina ainda mais as obras expostas dos “artistas de palmo e meio”. Entretanto, a Madre Maria Teresa Granado sorri, dizendo: “Deve estar mesmo a chegar, correu tudo bem de certeza…corre sempre!”. Passados poucos minutos irrompe pela sala uma menina saltitante e com um sorriso do tamanho do mundo. Inês (nome fictício) é uma das crianças da Comunidade Juvenil São Francisco de Assis que têm uma “Família Amiga” e acaba de chegar a “casa”, no final do fim-de-semana. “Foi fixe, fartei-me de passear” conta à Madre, sem nunca largar o sorriso.
As “Famílias Amigas” “apadrinham” uma, ou mais, crianças de uma instituição, indo “buscá-las para passarem fins-de-semana ou férias”, explica a Madre Teresa, directora da Comunidade Juvenil São Francisco de Assis. “Estas famílias têm que ser muito bem escolhidas e têm de ter consciência da responsabilidade que lhes é posta nas mãos”, sublinha. O processo começa no momento em que uma família decide acolher uma criança em sua casa. A partir desse instante recolhem-se “os dados habituais, ou seja, os números do BI, morada, profissão, entre outros”, conta a Madre Teresa. O processo de escolha das “Famílias Amigas” varia de instituição para instituição. A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, por exemplo, exige que as famílias passem por uma entrevista e, posteriormente, se escolhidas, por uma formação. Existem, ainda, instituições que não são a favor destes projectos.
Consciências
“Este género de actividades só aumenta a instabilidade emocional das crianças” diz Margarida Pinhal, psicóloga da “Obra da Criança”, de Ílhavo. Esta instituição, que acolhe cerca de 30 crianças e jovens, é contra este tipo de programas. Segundo a psicóloga, “não é saudável mostrar às crianças uma realidade que não é a delas, isso causa traumas enormes”. A “Obra da Criança” teve, durante alguns anos, o projecto “Família Amiga”, contudo, explica Margarida Pinhal: “Chegámos à conclusão que a estabilidade emocional das crianças era muito afectada".
A opinião em relação a este género de projectos não é unânime no seio das instituições de solidariedade infantil. Exemplo disso é a “Comunidade Juvenil São Francisco de Assis”, em Coimbra. Para a directora da instituição, a Madre Maria Teresa Granado, estes projectos são de “grande valor porque é óptimo para as crianças puderem contactar com estas famílias”. A partir da convivência com as famílias que as acolhem, as crianças vêem como funciona uma família (com mãe, pai e filhos). Ao mesmo tempo que ganham esta noção, que lhes será útil quando, no futuro, constituírem família, apercebem-se de que as regras que lhes são impostas na instituição "são as mesmas que os pais impõem aos seus próprios filhos”, esclarece a directora.
Se em instituições, como a “Comunidade São Francisco de Assis”, cada família acolhe sempre a mesma criança, o mesmo não acontece em outras que têm este projecto. No Centro Paroquial e Social de Recardães, em Águeda, “cada criança tem 2 ou 3 famílias com quem costuma ir passar apenas os domingos”, diz Maria Gabriela, coordenadora do projecto. “É essencial garantir que as crianças não se pegam demasiado às famílias”, acrescenta.
A Família Amiga
João Carvalho, Maria do Céu e a filha Joana, constituem uma família que acolhe, há mais de dez anos, aos fins-de-semana, crianças do Centro Paroquial e Social de Recardães. Tudo começou porque “a Joana, quando acabou o curso de Serviço Social, esteve a estagiar no Centro e, como tinha muita pena das crianças, começou a trazer algumas cá para casa”, conta a mãe, Maria do Céu. O domingo é passado verdadeiramente em “família” e levam as crianças a passear e a contactar com a natureza porque “elas adoram”, dizem. Esta família descreve a experiência como “maravilhosa”. Mas “na hora da despedida é um sofrimento horrível, tanto para nós como para eles”, deixa escapar João Carvalho.

Salomé Filipe
3º Comunicação Social

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